segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Autógrafos e a sabedoria dos jovens

Dos dez aos dezasseis anos, eu estudei num colégio interno só para raparigas (nem Quatro Torres, nem Santa Clara, nem nenhum outro inventado pela escritora Enid Blyton). Muito poderia escrever sobre isso, mas não será hoje. Hoje quero partilhar apenas uma memória e uma reflexão a partir dela.

Num colégio interno, é muito provável que as colegas sejam de zonas muito distintas do país, sendo pouco frequente o encontro fora das paredes do colégio. Assim, quando chegávamos ao fim do ano letivo e sabíamos que iríamos estar uns três meses sem nos vermos, era ver aparecerem blocos e bloquinhos, que enchíamos de "autógrafos", pedidos não só às amigas de quem realmente iríamos ter saudades, mas a todas as colegas da turma.

Algumas colegas escreviam sempre a mesma coisa em todos os autógrafos que davam, outras eram mais imaginativas. Acho que eu oscilava entre os autógrafos imaginativos (para as amigas mais próximas) e os outros, mas sinceramente, não me lembro de fazer distinção - penso que escrever autógrafos de seguida deve estoirar a imaginação de qualquer um! [Se houver por aí algum@ estrela fartinh@ de dar autógrafos, manifeste-se!]

Bem, esta introdução já vai longa e nunca mais chego onde quero, que é a frase (citação) que tinha mais saída, que mais alunas utilizavam nos autógrafos que davam. Era a seguinte:

"Sorri, sorri sempre, mesmo que o teu sorriso seja triste, porque mais triste do que o teu sorriso é a tristeza de não saber sorrir."

Anos (muitos!) mais tarde, vivi quase três meses num mosteiro. Muito poderia escrever sobre isso, mas não será hoje. Hoje quero partilhar apenas uma memória e uma reflexão a partir dela (que será em comum com a da memória dos autógrafos, pois estão intimamente relacionadas).

Uma das monjas que me acompanhavam (eram duas, uma portuguesa e uma espanhola) disse-me a certa altura que eu andava com o semblante muito carregado (trocado por miúdos, estava com uma cara de "todos-me-devem-e-ninguém-me-paga") - o que, digo-vos eu, contrastava totalmente com as expressões pacíficas e felizes da totalidade das monjas e até das outras jovens que estavam numa fase de discernimento vocacional, tal como eu -. Eu disse à Hermana Felicidad que em algumas alturas do mês ficava assim - era mais forte do que eu -, mas ela disse-me para sorrir, apesar disso (disse-me outras coisas, mas resumindo, era isto).

Já muita coisa se passou desde que saí do mosteiro, mas, infelizmente, uma não mudou: eu fico com um humor terrível - pior do que consigo ser normalmente - em algumas alturas do mês. Tudo me chateia, tudo me irrita, um comportamento que noutro dia provoca uma chamada de atenção, nestas alturas provoca uma reação tempestuosa. E eu tenho noção que está a acontecer, que estou a exagerar, mas só quando estou assim há alguns dias é que dou conta do porquê. E detesto sentir-me assim. E peço desculpa aos meus filhos e às vezes aos meus alunos por alguns exageros, mas dali a umas semanas volta tudo ao mesmo.

Porque ainda agora passei/estou a passar por mais uma destas fases, lembrei-me dos autógrafos (e de como pode circular tanta sabedoria entre jovens) e lembrei-me da Irmã Felicidad e pensei para comigo:

"Ninguém tem que levar com as tuas trombas o teu semblante carregado e o teu mau humor, por isso, sorri, Mimi, sorri, sorri sempre..."